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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Silva vs Diaz ou Nietzsche e o espírito dos fortes


            Quando o Anderson Silva quebrou a perna eu havia escrito uma crônica onde dizia que aquele Anderson Silva havia entrado com a força e habilidade pra surrar qualquer um, mas não havia entrado com o espírito que lhe garantiu tantas defesas de cinturão. Na primeira luta com Weidman ele havia entrado na mente do adversário, já tinha 50% da luta, mas deixou escapar seu domínio pelo excesso, coisa que na segunda luta não aconteceu, ao entrar sem o domínio mental ele canalizou todo seu ser na força e na técnica e acabou sendo derrotado por si mesmo ao dar murro em ponta de faca.
            Quando fez sua luta no Brasil contra o Okami ficou claro que o japonês perdeu pra sua própria mente, era um espírito fraco, incapaz de lutar. Nietzsche diz que os fracos não conseguem vingar neste mundo e portanto desejam excluir seus adversários que por serem fortes os consideram maus, fazendo a partir desta conclusão a noção de bom; já os fortes se veem bons e apenas desconsideram os fracos, os veem como desnecessários, pois estes nada podem agregar aos fortes; o bom quer outro semelhante para enfrentar pois testar-se contra outro tão bom é que o fará evoluir, essa lógica se aplica na luta, neste caso no MMA e naqueles que desejam ser campeões mundiais. Muitos querem este título sem enfrentar os melhores, claramente não possuem a mente necessária.
            Nick Diaz queria George St Pierre, ele acreditava que era melhor, e ele só queria este tipo de luta, luta que interessa. Deem uma boa grana e ele enfrenta qualquer um, ofereçam Cain Velasquez e ele irá encará-lo. Diaz é das ruas, ele é um gangster, não como Sonnen, apesar de este também ser um espírito forte, que mesmo não tendo uma carreira relevante conseguiu convencer o mundo de que ele era o melhor (pelo menos por alguns dias). Diaz nunca quis isso, seu modo é outro, ele não segue o estilo McGregor, na verdade ele não segue nenhum estilo desses, ele é diferente de todos, ele é apenas ele mesmo.
            Após a pesagem Diaz disse de maneira calculista que ambos iam subir lá e lutar e isso era tudo, porém cumprir isso era mais do que qualquer um já tinha feito. Ele sempre foi um lutador da categoria dos 77 kg, e Anderson dos 84 com grandes feitos no 93, isso nunca fez muito sentido, a não ser para Diaz. O casamento de luta perfeito, para o público, para o UFC, para o mercado, menos para Anderson Silva. Sinceramente não estava tão curioso quanto a como se apresentaria o ex-campeão da categoria, apesar de todo papo de trauma, etc, mas estava centrado e sem ter ideia de como seu adversário se portaria. Só ele sabia o que deveria ser feito e só ele tinha a mente para fazer o que teria que ser feito. Ele não fez antes, ele não disse antes, como a maioria faz. Ele disse e fez somente quando a gaiola fechou, ele ia encarar, ele tinha programado tudo em sua mente e ela não ia abandoná-lo quando o Anderson Mito lhe chutasse, Diaz é da rua, ele quer briga, e ele não vai correr. Ele chamou, ele deitou e fez pose pra foto, ele parodiou Anderson indo pra grade e perguntando se era assim que fazia, perguntou se agora o Spider faria aquilo, mostraria como era, mas nada, Anderson se manteve contido, se manteve na corda bamba, ameaçou aquele bailado de braços, mas não com tanta soltura quanto Diaz, este foi pra cima, era preciso uma mente mais poderosa que qualquer técnica e qualquer força para para-lo, pois ele sabia que aquilo valeria muito mais que o cinturão perdido pra GSP, valeria mais que a grana do Mayweather, estar ali e frustrar o mundo não tinha preço.
Anderson venceu, talvez os cinco rounds, foi uma vitória pessoal, porém não visual. Ele tem feito conexões importantes pra sua carreira, coisa que tem faltado a José Aldo, por exemplo, ao subir na jaula e abraçar Fábio Maldonado após sua vitória, ao cumprimentar Jon Jones após a luta, ao trabalhar sua imagem, ele aprendeu a jogar o jogo com a idade. Aldo tem tentado, parafraseando Romário ele tenta entrar no jogo, mas nesta área seu adversário já chegou preparado, enquanto o campeão ensaia. Aldo deveria ter se preparado, deveria ter pego sua fantasia de rei e sentado deveria ter aplaudido o bobo, deveria ter subido no octógono após a luta do irlandês e no melhor estilo business deveria ter vestido o personagem e encenado como no Pride, como fazem os grandes fanfarrões/campeões como Tito Ortiz e Rampage, porém isto não faz parte dele, talvez por questões socioculturais, talvez por natureza. Mas importa a cada um encontrar-se, e Diaz é um exemplo, Anderson é outro, assim como Jones, não existem similares, eles são assim. São fortes. Uma mente forte conhece seu corpo e por isso o domina, não foi o caso do Gustafsson, por exemplo, este pensou que depois da sua luta pelo título ele era o verdadeiro campeão, subestimou a força de Anthony Johnson, perdeu porque deixou a mente ir além de onde ela deveria, soltou o balão e deixou o corpo a mostra.
Em ‘Schopenhauer educador’ Nietzsche diz que “o enigma que o homem deve resolver, ele só pode resolvê-lo a partir do ser, no ser assim e não ser outro, no imperecível”, muitos estão neste caminho, mas precisamos ir além, enquanto ontem muito do público do pop Anderson “the spider” Silva não tinham ideia de quem era aquele fracote do seu adversário e não entendiam o que estava acontecendo, hoje eles passaram a saber que existe Nick Diaz e tudo porque dentro da teoria nietzscheniana existem transmutações que o espírito deve passar: ele deve tornar-se camelo, depois de camelo para leão e finalmente de leão para criança. O estágio do leão é aquele que quer encontrar a liberdade e se tornar senhor do seu próprio deserto, este quer lutar contra seu maior adversário, contra o ultimo deus, contra o grande dragão, porém ainda é preciso transformar-se em criança, isso Nietzsche nos ensina em ‘Assim falou Zaratustra’, pois ela pode o que nem o leão pode, e naquele UFC 183 não bastava ser leão, Silva vs Diaz, que incrível fenômeno presenciamos, nenhum vexame, nenhuma vergonha ao esporte ou aos seus deuses, tudo porque como diz o filósofo alemão sobre o último transmutar do espírito “inocência é a criança, e esquecimento, um começar-de-novo, um jogo, uma roda rodando por si mesma, um primeiro movimento, um sagrado dizer-sim. Sim, para o jogo de criar, meus irmãos, é preciso um sagrado dizer-sim: sua vontade quer agora o espírito, seu mundo ganha para si o perdido mundo” e foi justamente isso, Anderson venceu para os juízes, mas Nick Diaz venceu para o espírito do esporte, mostrando que já são outras coisas que importam ele transformou-se num criador de valores simplesmente por subir lá e lutar; tudo que disse após a luta foi real, ele ria, porque ele vive, para Nietzsche viver é o dionisíaco e saber é apolíneo, quando Anderson perdeu seu título ele vestia uma camiseta que dizia que ele sabia, assim como Apolo ele dominava sua técnica, mas é preciso ir além, ir para Dionísio e experimentar a vida como nunca antes, e é isto que Nick Diaz nos ensinou neste dia, ser criador de novos valores, tão mitológico por ser demasiadamente humano!

01-02-2015


Diego Marcell é formado em Teologia e faz especialização em Ensino de Filosofia no Ensino Médio. Autor do livro Crônica da filosofia brasileira – pós-modernidade, metafísica e estética no cotidiano. 

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